Detesto sábados em casa a trabalhar. Hoje tem que ser, sei, mas detesto. Destesto o sol lá fora e eu fechada nas quatro paredes. Detesto olhar pela janela e ouvir quem está lá fora a fazer o que eu devia fazer também. A tv fala comigo, mas oiço-a ao longe. Desligo. Não vale a pena. Abro a gaveta e vejo pequenos bilhetes com anos de existência. Releio. As páginas estão gastas. Os agrafos quase rasgam o papel e muitos deles estão desordenados. Rio da inocência nesta viagem no tempo: uma marrona e um artista tocador de guitarra.
Arrumo os papéis na caixa devida.
Recordo “O Guardador de Rebanhos” e a filosofia do “mestre” Caeiro em que “Pensar é estar doente dos olhos”.
Lembro-me da intensa repulsa que tem ao sentir. Um sentir emotivo, sentimental, afectuoso. Enquanto recusa sentir, sente. Sente com os sentidos.
Sente com olhos a cor de tudo o que vê.
Sente com os ouvidos tudo o que ouve.
Sente com o nariz tudo o que cheira.
Sente com a boca os paladares de tudo o que prova.
Sente com o corpo tudo quanto toca.
Sem qualquer outro processo aliado ao raciocínio, à reflexão.
E esqueço que sinto com a cabeça. Sinto com o resto.
Sorrio e volto ao trabalho.
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