Sunday, October 24, 2010

A Vida TEM preço. As pessoas é que não o sabem…

“Aquilo a que ainda não me habituei e que me dói e custa ainda hoje, ao fim de tantos anos nesta profissão, é o papel de Deus que sou obrigado a interpretar todos os dias.
O jovem chama-me e diz:
- Dr.! O doente está mal… Ventilo? – e pergunta-me com pressa. Uma decisão a tomar em milésimos de segundo!
E eu penso para os meus botões nessas fracções que o tempo me dá:
- FODA-SE! E AGORA?? É um velhote com 78 anos. Se ventilar pode sobreviver, tenho todos os meios para manter os órgãos vitais a funcionar, mas fica “couve”! A hipótese de sair daqui como entrou é quase nula! E fica nesta cama mais 6 meses até (…) morrer! Não será melhor deixar esta pessoa partir em paz em vez de sofrer tanto tempo agarrado a máquinas que vivem por ele?? Mas ao mesmo tempo é meu dever fazer TUDO AO MEU ALCANCE por este homem.

E decido. Bem ou mal…

Fazer o melhor para o doente ou fazer tudo para que sobreviva? Hipóteses distintas, raciocínios duros, mas que têm que ser feitos.

Quando acabei o curso, vim para o Hospital com a sensação de salvar o mundo. É o Romantismo que NASCE em cada um dos recém-chegados e MORRE depois da primeira decisão.

Nunca me habituei a decidir estas coisas. Nem sei se é bom ou mau…

Isto sim, DEPRIME…”

 

(Num Hospital público ou privado manter um doente internado pode custar entre 500€ a mais de 3000€/dia gastos em ordenados, horas extraordinárias, medicamentos, material, máquinas, electricidade, etc…)

Sunday, October 10, 2010

De MacGyver a Eça de Queiroz

 

Muda o jogo. Muda tudo.

Eça de Queiroz 
1845-1900

Faz-se uma viagem no tempo. Os homens deixam crescer o bigode e arranjam monóculos.
Ah!! A cartola… A acompanhar um elegante fato e botões de punho.
E elas? Em vestidos espartilhados, caracóis e chapéus. De sombra na mão…

Podia falar de genialidades sem fim, mas não.
Um degustar de palavras numa escrita cuidadosamente pensada. Em que cada vírgula determina uma ideia, um pensamento, um desejo…
Um livro apenas… Um orgasmo mental… Uma orgia de sentidos…

Eça de Queiroz… O século XIX e a luxúria das letras…

“Quando descia para o seu quarto, à noite, ia sempre exaltado. Punha-se a ler os «Cânticos a Jesus»(…).
«Oh! Vem, amado do meu coração, corpo adorável, minha alma impaciente quer-te! Amo-te com paixão e desespero! Abrasa-me! Queima-me! Vem! Esmaga-me! Possui-me!»
(…)
Amaro lia até tarde, um pouco pertubado por aqueles períodos sonoros, túmidos de desejo; e no silêncio, por vezes, sentia em cima ranger o leito de Amélia; o livro escorregava-lhe das mãos, encostava a cabeça às costas da poltrona, cerrava os olhos e parecia-lhe vê-la em colete diante do toucador desfazendo as tranças; ou, curvada, desapertando as ligas, e o decote da sua camisa entreaberta descobria os dois seios muito brancos. Erguia-se, cerrando os dentes, com uma decisão brutal de a possuir.
Começara então a recomendar-lhe a leitura dos «Cânticos a Jesus».”

Eça de Queiroz em “O Crime do Padre Amaro