“Aquilo a que ainda não me habituei e que me dói e custa ainda hoje, ao fim de tantos anos nesta profissão, é o papel de Deus que sou obrigado a interpretar todos os dias.
O jovem chama-me e diz:
- Dr.! O doente está mal… Ventilo? – e pergunta-me com pressa. Uma decisão a tomar em milésimos de segundo!
E eu penso para os meus botões nessas fracções que o tempo me dá:
- FODA-SE! E AGORA?? É um velhote com 78 anos. Se ventilar pode sobreviver, tenho todos os meios para manter os órgãos vitais a funcionar, mas fica “couve”! A hipótese de sair daqui como entrou é quase nula! E fica nesta cama mais 6 meses até (…) morrer! Não será melhor deixar esta pessoa partir em paz em vez de sofrer tanto tempo agarrado a máquinas que vivem por ele?? Mas ao mesmo tempo é meu dever fazer TUDO AO MEU ALCANCE por este homem.
E decido. Bem ou mal…
Fazer o melhor para o doente ou fazer tudo para que sobreviva? Hipóteses distintas, raciocínios duros, mas que têm que ser feitos.
Quando acabei o curso, vim para o Hospital com a sensação de salvar o mundo. É o Romantismo que NASCE em cada um dos recém-chegados e MORRE depois da primeira decisão.
Nunca me habituei a decidir estas coisas. Nem sei se é bom ou mau…
Isto sim, DEPRIME…”
(Num Hospital público ou privado manter um doente internado pode custar entre 500€ a mais de 3000€/dia gastos em ordenados, horas extraordinárias, medicamentos, material, máquinas, electricidade, etc…)